Pois é, gente gira, agora que o
mundo não acabou e parece que não acaba tão cedo, decidi perder uns quilinhos. Sabem
como diz o ditado: “uns quilos a menos, umas beibys a mais”. Como agora é
chique meter no facebook os quilómetros que se correu, em quanto tempo se
correu, as calorias que se queimou e que estamos muito cansadinhos mas valeu
bem a pena, decidi dar umas corridinhas. Lembro-me vagamente de uma vez que
corri, no século XX. Parei aos 10 minutos para agarrar os pulmões, já a ameaçar
sair pela boca, e aos 20 desmaiei.
Se
quero correr, nada melhor que começar a seguir à noite de natal, pensou aqui o
menino. Acordei dia 25 de “manhã” (estive quase a acrescentar um zinha à manhã, mas como não sou dado a
exageros, achei melhor não), fiz uma alegre mijinha e foi só calçar as
sapatilhas e sair de casa. Deixo uma dica para a malta que faz planos para
correr de manhã: para que não vos passe a vontade, façam como eu e durmam todos
equipados. Antes de sair de casa, olhei para o relógio: meio-dia e dez (homem
que é homem não anda a correr com essas mariquices de cronómetros e cenas
maradas que medem até as gotas de suor na testa). Planeei forçar-me a 20
minutinhos de tortura, pelo que chegaria a casa ao meio-dia e meia. Nos
primeiros 5 minutos de corrida devo ter pensado em desistir umas 300 vezes. Uma
por cada segundo. A cada passada doíam-me todas as rabanadas, todas as
filhoses, todas as fatias de bolo-rei e sei lá o quê mais, não necessariamente
por esta ordem, mas tudo ao mesmo tempo. Não sabia que era possível doer tanta
coisa no corpo ao mesmo tempo. Por volta dos 5 minutos, a coisa estabilizou.
Quando dei por mim, estava a correr nos arrabaldes, uma zona só com vivendas e
campos cultivados com batatas e que provavelmente eram outra coisa qualquer que
não batatas. Volta e meia saía um cão de uma das vivendas para vir correr uns
metros comigo, todo feliz da vida. Há duas coisas que atraio desde sempre,
nunca consegui evitar: cães e beibys giras. Não sei porquê, é algo que me
ultrapassa. Por esta altura, lembrei-me de uma beiby que morava para aqueles
lados, a quem eu tinha feito feliz, uns bons anos atrás. Sabem aquelas beibys
que quando vêm ao pensamento, vos recordam logo duas ou três ocasiões com um
enorme sorriso nos lábios, mas que depois ficam que tempos a tentar lembrar-se
do nome dela? Era uma dessas. Só que de mamas pequenas. Pensei em passar por
casa dela e, como já não me lembrava bem, meti-me por umas ruas que não
conhecia, mas que me pareceram que tinha lógica que fosse por ali. Quando dei
por mim, tinha chegado a uma rua sem saída. Voltei para trás, já com a noção
que iria demorar mais que os 20 minutos previstos, ainda sem me preocupar muito
com isso. Cheguei a um cruzamento que reconheci e tive a certeza que teria de
virar à esquerda. Foi o que fiz. Passados uns dois ou três cães, afinal era
outra estrada sem saída. Voltei para trás, desta vez já bem preocupado com o
tempo que faltava para chegar a casa. Senti que estava a forçar demais o corpo
mas homem que é homem não para a meio quando está a correr. Somente quando
chega ao fim. O mundo não é dos fracos. Continuei a correr, já sem querer saber
da casa da tal beiby e a optar sempre pelas ruas que me pareciam o caminho mais
curto até casa. Nessa altura reparei que a minha sombra se ia literalmente a
arrastar. Eu ali a correr que nem um louco e a put@ da minha sombra a baldar-se,
mal se mexia. Não há respeito. Por mais que a picasse, a gaja continuava
naquele ritmo reumático, nada a fazer. Quando já via o meu barraco à distância,
as rabanadas e o resto das comezainas começaram novamente a fazer-me doer o corpinho
todo. Seria saudades de casa? Mal entrei, olhei novamente para o relógio.
Meio-dia e cinquenta. Tinha corrido 40 minutos, o dobro do que planeara. Tomei
um duche à patrão, vesti-me todo lavadinho e senti-me como o Van Damme, depois
de desancar uns 50 gajos à pancada: todo partido mas feliz da vida. A seguir,
fui para casa dos meus velhotes comer mais um bocadinho (um bocadinho disto, um
bocadinho daquilo). É para isso que os pais servem quando deixam de nos dar
dinheiro: alimentar-nos como deve ser aos domingos ao almoço e nas alturas
festivas. Regressei a casa à noite, o estômago como um menino feliz da vida, e
entretanto sentei-me no sofá. Comecei a escrever esta miséria e, parágrafo a parágrafo,
fui constatando que os dedos das mãos são das poucas partes do corpo (a par dos
olhos) que ainda consigo mexer. No fim desta frase, vou meter este texto no
facebook. Se o leres, faz-me um favor: chama os bombeiros cá a casa.