"Como foi que acabara a morar sozinho neste minúsculo barraco? O que me deu para alugar um T1 nos Olivais, onde mal me conseguia espreguiçar? Eu sei a resposta: tesão. Que outra coisa levaria um gajo a sair do bem bom da casa dos papás? A dizer para si mesmo: vais começar 2016 a viver sozinho, meu caro, chega de aturar os velhos. As contas a pagar ao fim do mês colocava...m-me uma grande pressão em cima. Era de um gajo dar em maluco. Vinte e tal anos e a minha maior preocupação era a quantidade de bajainas que conseguia pôr a sorrir para mim. Era a única forma daquela decisão estúpida ter algo de racional. Uns dias antes chegou a conta do gás e a primeira coisa que pensei foi em arrancar as cuequinhas da Xana com os dentes. Não podia falhar.
Acabei a porra das limpezas, tomei um duche e liguei ao Vidrinhos. Precisava de um carro. Prometi a mim mesmo que não mentiria ao gajo. Se ele perguntasse, diria a verdade, mas se ele não o fizesse, o problema não era meu. É claro que eu contava que ele não perguntasse, ninguém pergunta este tipo de merdas. Carta de condução é uma mera burocracia. Conduzo bem melhor do que muita gente que a tem, isso é que verdadeiramente deveria contar, certo?
O Vidrinhos é um gajo porreiro, um tipo às direitas, benfiquista doente. Parece um pau de virar tripas, de tão magrinho e alto. Tem uma penca enorme, dentes tortos e usava uns óculos com umas lentes tão grossas que noutra vida foram o gargalo de uma garrafa de vinho tinto. Tirando isso, safa-se. Conhecera-o há uns meses, numa noite de bebedeira e, na altura da Xana, andava a ajudá-lo com o mulherio. Ele tem um desses empregos em que se morre devagarinho: banca, seguros ou uma bosta parecida. Quando saímos, ainda hoje, é sempre ele a pagar a primeira rodada. E a segunda, grande parte das vezes. Vive sozinho, num apartamento nos Anjos que é o dobro do meu, comprado a crédito e que vai passar a puta da vida a pagar. Meteu lentes de contacto, fui eu que o convenci. Não ficou bonito por isso, mas melhorou o look e não foi pouco. O gajo devia-me uns favores e aquela era uma boa altura para eu começar a cobrar.
- Vidrinhos, como é? Ainda o pões de pé?
- Se pedires com jeitinho, também to ponho no rabinho.
- Deixa lá isso, que me fazes cócegas. Queria pedir-te um favor, pá, logo à noite tenho de ir doar esperma.
Expliquei-lhe tudo direitinho. Combinámos ir ver o glorioso a um café com pinta, cheio de gajas boas. Comi um bom bife, mamei umas quantas loiras fresquinhas, o Benfas deu uma tareia jeitosa e a seguir deixei o Vidrinhos noutro café, onde ele se ia encontrar com uns amigos e fui à minha vida. Tinha-lhe prometido que entregava o carro com o depósito cheio e sem manchas no banco traseiro e tencionava cumprir pelo menos uma."
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