" A Salomé é, ainda hoje, o melhor ser humano que conheci. Não sei o que me passou pela cabeça na altura, mas dei o meu melhor para que ela se apaixonasse por mim. A esta distância, julgo que não consegui resistir àquele ar angelical, àqueles modos sempre tão certinhos, aquela aura que ela irradiava, de pura inocência e bondade. Tinha de a levar para a cama, mas estava mais do que visto que a Salomé era daquelas que só fode por amor. Nunca fui tão simpático para uma bajaina em toda a minha triste existência. Chegava a dar pena, as figuras que eu fazia, já nem me reconhecia a mim próprio. A verdade é que resultou. A pobre coitada apaixonou-se mesmo por mim. Não consigo perceber como é que não me tirou logo a pinta, seria assim tão difícil de perceber que eu só lhe queria partir a espinha ao meio em três bocados? Não foi assim tão fácil. Tive a minha dose de sofrimento e exasperação. Só ao fim de umas três semanas de ternos amassos, andava já o pobre do Onofre todo esfolado, é que ela tomou a delicadeza de abrir a perninha. A primeira vez foi no apartamento dela, algures em Massamá. A Salomé acumula, no meu conhecimento de seres humanos, o prémio de melhor coração do mundo com o de pior foda de sempre. Meu deus do céu, como é que uma mulher se consegue transformar num saco de batatas? Quantas constelações têm de se alinhar em perfeita sintonia no universo para ela ser capaz de dizer todas as coisas que não se dizem enquanto se fode? Saiu-me o bilhete premiado, o primeiro prémio da lotaria, só que ao contrário. Foi tão mau que ela nem por um momento se apercebeu. Eu estava incrédulo, tentei de tudo, virei-a por todos os lados, fui meigo, tentei ser bruto, na verdade tentei tudo o que me veio à cabeça. Ao fim de uma hora, desisti. Por mais que jogasse ao ataque, aquele era um jogo destinado a ficar zero a zero. Não iria haver orgasmos naquela noite, para ela seguramente, e eu estava tão desorientado que só me queria ir embora. O pior de tudo foi quando ela perguntou “foi bom para ti?” Tive de me controlar para não explodir, apeteceu-me responder: não, minha grande puta, foi horrível, foi a pior foda da minha vida, foi tão mau que nem consigo classificar o que se passou entre nós como foder! Mas ela tinha aqueles olhos enormes inundados de candura, o seu rosto transparecia um ar ainda mais angélico e parecia realmente feliz. Percebi que ela pensava que eu me tinha vindo. Eu tinha saído de dentro dela, farto e irritado, fechei-me na casa de banho, tirei o preservativo e deitei-o fora. Lembro-me de ter olhado o meu reflexo no espelho, ter passado água pela cara e perguntado a mim mesmo: O que é esta merda que se está aqui a passar, Zé Tó?
Quando saí, fiz menção de me vestir, e foi aí que ouvi aquele “foi bom para ti?” Passada a irritação inicial, percebi tudo e tive um ataque de riso. Respondi-lhe que sim, que tinha sido fantástico e que tinha tido um orgasmo incrível. Ela acreditou, é claro que ela acreditou. Pensei em quantos gajos já a teriam fodido. Poucos, claro está. Todos eles devem ter vivido o mesmo pesadelo que eu. Eu não tinha sido o primeiro e não estava só no mundo, no que dizia respeito a ter ido para a cama com um saco de batatas. Veio-me à cabeça que, na escala dela, talvez eu tivesse sido uma boa foda. Decidi-me a arriscar: “E tu, gostaste? Foi bom?”. Maravilhoso, foi a resposta. Sim, isso mesmo, uma única palavra, uma palavra que soou mágica da forma como a pronunciou: ma-ra-vi-lho-so, assim mesmo, a mastigar as sílabas devagarinho. Não aguentei mais: E conseguiste vir-te? Tiveste algum orgasmo? Ela corou toda e arrependi-me de ter sido tão insensível. Disse-me: Sabes, tenho alguns problemas nesse capítulo, mas foi ma-ra-vi-lho-so.
Não tive coragem para me pôr logo a andar. Abracei-a, brinquei com ela, dei-lhe uns beijos meigos e fiz aquilo durar uma boa meia hora. A seguir corri até ao cais do Sodré e apanhei uma das piores bebedeiras da minha vida. Acabei a noite às 4 da manhã, a ligar para todos os números de putas que vinham nos classificados do jornal. Nenhuma atendeu."
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