"Paguei, pus-me a andar rua acima, entrei no primeiro supermercado que me apareceu, comprei uma cola de um litro e a garrafa de whisky mais barata que tinham. Saí para a rua, caminhei até um jardim, sentei-me num banco discreto, bebi um longo gole de cola e, de seguida, enchi o que faltava com whisky. Fiquei ali, a beber aos poucos e a ouvir os passarinhos. Senti-me romântico e apaixonado. Voltei a pegar no telemóvel, tinha em mim a urgência do amor. Rebobinava o filme da minha vida, surgiam-me rostos na memória e quando lhes conseguia associar um nome, procurava o número nos contactos. Uma ou outra chamada foi parar à caixa de correio, talvez fossem números já não utilizados, algumas não foram atendidas, estava quase a concluir que aquele não era o meu dia, quando me surgiu o rosto da Fátima bem em frente dos olhos. Eu devia estar desesperado ou já muito bêbado para ter decidido ligar-lhe. Ajudou ter-me lembrado que ela costumava morar a dez minutos a pé de onde eu estava, mesmo ao lado do Bairro Alto. Liguei-lhe, ela atendeu. Parecia feliz por me voltar a ouvir. Falámos alegremente uns bons minutos, disse-lhe que estava de férias, pergunta atrás de pergunta, concluí que ela ainda morava no mesmo sítio, disse-lhe que estava perto, insistiu para que passasse a vê-la. Respondi que sim, sem pensar muito no assunto, sempre era uma bajaina. Desliguei. Deixei-me ficar uns minutos naquele banco. A Fátima, quem diria. Andámos juntos no liceu. Fodemos umas poucas de vezes, mais por morrermos de tédio na escola que por outra coisa qualquer. Era uma desculpa tão boa como qualquer outra para faltarmos às aulas. Íamos para casa dela, enquanto os pais trabalhavam. Teve sempre problemas, traumas de infância e merdas dessas. Não me admirei quando soube que se metera na droga. Na altura eu teria uns dezoito anos, o liceu acabara de ficar para trás, e não pensei mais no assunto. Voltei a encontrar a Fátima alguns anos depois, numa noite de copos, não cheguei a perceber qual de nós estava mais bêbado. Acabámos a noite no banco de trás do carro dela. Depois disso, via-a de vez em quando. Soube que emigrara e voltara um ano depois. Tanto quanto me recordava, deixara a droga e voltara a entrar, tempos depois. Já não a via há uns dois, três anos, mas era como se a tivesse mesmo ali ao meu lado: aquele tom de pele muito moreno, aquele corpo bem feito, escondido nas roupas baratas que vestia, uma surpresa das boas para quem tivesse a sorte de a ter, completamente pedrada, em cima da cama a simular uma dança erótica, com aqueles grandes olhos negros, muito abertos e um sorriso químico e meio ausente. Fodia com competência e vinha-se com facilidade, mas era sempre como se aquilo não tivesse nada a ver comigo, eu estar ali a suar e a dar o melhor de mim parecia-me uma feliz coincidência.
- Que se foda, pensei para mim mesmo, se estiveres pedrada, é desta que te estrago o rabinho.
Comecei a andar em direcção ao apartamento dela. Dirigi-me ao primeiro arrumador que encontrei e disse-lhe:
- Amizade, não tenho carro, mas tenho uma fodinha para dar. Se me guardares esta garrafa de whisky, dou-te um euro quando voltar.
- Dois e juro que nem lhe toco.
Passei-lhe a garrafa e apertei-lhe a mão, para selar o negócio. Que caralho, até parece que ia ter com uma catequista, que mal fazia aparecer-lhe à porta com a garrafa na mão? Por acaso ela não ia notar logo que eu estava bêbado? Às vezes não me consigo perceber a mim mesmo."
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