"Era um t2, não muito grande, mas que ganhava de goleada ao barraco onde eu morava, três andares acima. Além de ter áreas maiores, tinha um incomparável bom gosto. Tudo ali era harmonia, até na porra da cozinha um gajo sentia uma espécie de paz interior. A sala era espaçosa, quase o dobro da minha, na casa de banho tudo brilhava e cheirava bem, o quarto onde ela dormia, numa enorme cama de casal, era um hino à sobriedade e tinha uma pequena casa-de-banho privativa. No outro quarto ela fizera um escritório muito agradável. Disse-me que por vezes trabalhava ali e eu aproveitei para lhe perguntar o que fazia.
- Uma coisa muito cinzenta. Sou advogada.
- Mete-los lá dentro ou safa-los de lá irem parar?
- As duas coisas, para não enjoar.
Por fim, sentámo-nos a almoçar. Deixei que ela conduzisse a conversa e interpretei um dos meus papéis favoritos: o de menino tímido. Falou-me da sua vida, desapaixonadamente, como se estivesse apenas a contar histórias de alguém que não nos pudesse ouvir. Fiquei a saber que não tinha filhos, uma decisão consciente, nunca os quisera ter. Não se casara mas vivera muitos anos com um homem, de que me falou com demasiados detalhes. Tinham-se separado há dois anos, altura em que se mudou para aquele apartamento. Eu senti-lhe uma ponta de amargura na voz, ainda que ela me contasse tudo aquilo com frases cheias de humor sarcástico. Soube que o melhor que tinha a fazer era ir enchendo os copos. Ela não se fez rogada e bebeu mais do que comeu. Eu tinha percebido tudo o que havia para perceber. Ali à minha frente, tinha uma mulher com um vazio no peito. Uma mulher desiludida com o que a vida lhe dera, sufocada pelo cinzento dos dias. Uma mulher ainda bonita, atraente, que ansiava por um pouco de paixão. Ela queria ser amada, acima de tudo queria sentir-se desejada. Percebi que eu não estava ali para a foder, ela iria exigir muito mais de mim: queria que eu me entregasse, que me desse todo a ela, o que acontecesse entre nós não poderia ser apenas carnal, tinha de ter entrega, uma qualquer espécie de sentimento. Paixão. Era o que ela exigia. Preparei-me mentalmente para o que teria de ser o meu desempenho, como um actor que decora o seu papel, ou um jogador de futebol que relembra as instruções do treinador, momentos antes do jogo. Achei que seria sensato optar por lhe contar episódios engraçados sobre os múltiplos empregos de merda que tinha vindo a colecionar ao longo dos anos e deixar de lado os meus desvarios com o sexo oposto, fazendo jus ao menino tímido que insistia em representar. Quando dei por mim, ela estava a sugerir que deveríamos abrir outra garrafa.
- Nunca digo que não a um bom tinto.
- Não sei se tenho algum tão bom como o teu, mas não posso tratar mal o meu convidado.
Em poucos segundos tinha uma segunda garrafa na mão e um sorriso que me estendia o saca-rolhas. Eu sabia, por anos de experiência, que uma garrafa de vinho bebida a meias, é suficiente para deixar 90% das mulheres no ponto de rebuçado. Esta, apesar de quase não ter tocado no entrecosto, parecia estar a aguentar-se bem à bronca. O vinho era bem melhor do que o que eu trouxera, deixámo-nos ficar ali, a beber devagar e a deixar-nos enfeitiçar com palavras que atirávamos um ao outro com delicadeza. Nenhum de nós duvidava que estávamos prestes a dar o passo seguinte. Nisto, ela levanta-se e anuncia a sobremesa:
- Quase me esquecia, tenho uma fantástica mousse de chocolate, daquelas básicas de hipermercado.
- As minhas favoritas.
Comemos a mousse, eu já a pensar em lambuzar-lhe o corpo, ela a adivinhar o que me passava pela cabeça. Tirou dois cafés, perguntou-me se queria um digestivo, optei por um licor beirão, ela serviu dois, quando me passou o copo para a mão, eu estava de pé na sala, a olhar para os livros que tinha na estante e a fingir interesse naquele monte de papel. Brindei:
- Tchim, tchim!
Pousei o copo na estante, com gestos lentos. Levei as mãos ao seu rosto e beijei-a ao de leve. Quis aquilo. Quis que fosse como senti que ela desejava que fosse. Eu e aquela milf seríamos amantes. Começava ali o primeiro capítulo. Trocámos beijos cada vez mais demorados, mais ousados e mais ansiosos. Foi ela que me levou pela mão até ao sofá. Esfregámo-nos um no outro com avidez. Compreendemos que não cabiam ali palavras. Os nossos gestos e gemidos falavam bem mais alto. As nossas roupas foram caindo no chão, com estudada lentidão. Foi bom. Foi realmente muito bom. Eu pus toda a paixão que encontrei dentro de mim em amar aquela quarentona bem feita. Lambi, beijei, trinquei, apalpei; com carinho, lentamente, com ardor, com sofreguidão. Passou uma pequena eternidade até ela me sentar no sofá, com gestos decididos, sentar-se em cima de mim e começar uma cavalgada que comandou, de início ao fim, ao ritmo que quis, até se vir, majestosamente. Eu fiquei tão em brasa que deixei-me ir e acabei logo a seguir. Só de o recordar agora, estou com o Onofre a bater continência, como se fosse um general de cinco estrelas."
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