quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Clítoris: lambidela 28

"Conversa vai, conversa vem, o cromo do Diogo começou a discorrer sobre a sua nova banda. O gajo já deve ter tocado numas 50 diferentes, grava discos com malta famosa, toca ao vivo com alguns deles, anda sempre numa roda-viva. Não sei como, mas arranja sempre tempo para ter uma banda onde toca lá as cenas dele, só para fazer aquilo de que gosta à séria. Deduzo que o segredo dele é foder pouco, caso contrário era humanamente impossível estar sempre a saltitar de um lado para o outro. Bom, mal ele abriu a boca, percebi logo que ia sobrar para mim. Nem dois minutos tive de esperar:
- Vamos dar o nosso primeiro concerto para a semana, num bar ali em Alfama. Não querem aparecer? Era porreiro, e vocês são gajos para gostar.
Rimo-nos. Aquilo era uma piada. O André alinhou logo e como ele é que tinha o carro, que merda de desculpa ia eu arranjar?
Na semana seguinte continuava a chover. Eu e o André entrámos num bar que já fora em tempos uma fábrica merdosa. Não se estava mal, mas também não se estava assim nada de especial. Olhei em redor, gajas fodias-te, as que havia mais valia terem ficado em casa. Os gajos começaram a tocar, no fim da segunda música decidi que os meus neurónios precisavam de cerveja. Se possível, afogarem-se nela. Imperial atrás de imperial, fui-me aguentando. Lá para a quarta ou quinta, já havia umas tipas bem fodestíveis na sala. Eu sabia que era a cerveja a iludir-me, mas quis ser iludido e continuei a despejá-las. Apercebi-me que grande parte daquela malta estava genuinamente a gostar daquela música. Até o totó do André se virou para mim, já aquele suplício levava quase uma hora:
- Estes gajos tocam de caralho. Muito bom, meu.
Muito bom foi quando o xoninhas de trunfa até meio das costas anunciou ao microfone:
- Esta é a nossa última música. Boa noite e obrigado por terem vindo!
Obrigado era a palavra certa. Foi como me senti: obrigado a ali estar. Graças a deus que o ser humano teve a clarividência de inventar as bebidas alcoólicas. Tudo se suporta melhor com a dose certa de álcool no sangue.
Para cúmulo, no fim ainda ajudámos o Diogo a carregar a tralha toda dele até ao carro. Eu devia ter desconfiado que para fazer aquele cagaçal todo era preciso uma infinidade de merdas pesadas. Por fim, ainda com os ouvidos a zunir e com os bolsos cheios de ar, saí cá para fora. Continuava a chover.
- Então Zé Tó, estás cá com uma tromba, meu… foi assim tão mau?
- Foi pior que isso, caralho, ou me levas às putas ou me embebedas. Menos que isso, acaba aqui uma bela amizade.
Entrámos na primeira tasca que apareceu com ar de ter imperiais a preço de pobre. Como é óbvio, não havia uma única gaja lá dentro em que valesse a pena poisar os olhinhos. Beber e ter conversas de merda eram as únicas opções naquele pardieiro. Acrescentei-lhes um charro generoso, cortesia do mestre André, fervoroso adepto da medicina alternativa.
Entrei no meu prédio às seis da manhã e apercebi-me de quão bêbado estava quando tive de me ajoelhar no elevador para acertar no botão do meu andar.
Ressaquei tão violentamente no dia seguinte, que nem tive forças para sair de casa. Usei os truques todos, à hora de jantar já me sentia melhor, abri uma lata de atum, estrelei um ovo, que saiu quase bem, juntei-lhe umas batatas fritas de pacote e uma cerveja. Pousei o rabo no sofá e fiquei a babar para a tv, comando na mão. Entre notícias de desgraças e políticas manhosas, filmes, séries de detectives e canais de música, é lógico que optei pelos resumos do futebol.
Nunca entendi esta merdice da arte. Gajos que choram a ouvirem música? Que se emocionam com uma peça de teatro, um filme da treta no cinema ou que ficam extasiados a olhar para a porra de um quadro, pendurado numa parede de uma galeria qualquer? E os tolinhos que passam horas a fio a virar páginas de um livro? Dizem que lhes dá um prazer tremendo, que conseguem viajar nas páginas de um livro. Conheço malta assim. No plural. Uma imensidão de gente, se quiser ser justo. Para todos eles eu sou um insensível de merda. Um básico do pior, que só pensa em bebedeiras, gajas e futebol. Eu não me chatearia nada com isso, sei muito bem que esses pseudo-intelectuais da cultura adoram umas imperiais geladas e uma rata húmida. É claro que há uma chusma de paneleiros lá pelo meio, mas isso há em todo o lado. O que me tira do sério é esses cabrões se sentirem superiores porque são da cultura e conhecem cenas, enquanto um gajo prefere ficar descansado a ver um bom jogo de bola. Em que é que esses coninhas são melhores que eu, caralho?"

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