"Ela deu-me a notícia, toda dengosa, numa quinta-feira à noite. Tinha-me arrastado para um daqueles restaurantes finos de que tanto gostava. Fez-me uma grande surpresa. Começou com uma conversa cheia de nove horas e, de repente, deixou cair a bomba:
- Falei com um bom amigo e, se quiseres, ele arranja-te um estágio num banco. Com jeito consegue-te uma agência perto da casa dos teus pais.
Eu tive a feliz percepção que aquilo era uma cena de filme: ali estava eu, um puto cuja maior qualidade, senão a única, era uma tesão infindável, a jantar com uma gaja a caminho dos quarenta e que batia mal da caixa dos parafusos, num restaurantezito com apenas quatro mesas ocupadas, incluindo a nossa, mas onde o empregado usava um fato todo emproado e falava connosco como se fossemos da realeza. Deixei-a desembrulhar a conversa, fingi estar contentíssimo com aquela loucura que ela me propunha, eu a trabalhar num banco, e não tive de esperar muito para ficar a saber o plano que ela concebera: Tinha reservado a noite de Sexta e Sábado numa quinta com piscina, algures no Alentejo profundo, para festejarmos ao meu novo emprego e ao início de uma fulgurante carreira na banca. Era suposto ser uma surpresa, o momento alto da noite e eu ficar extasiado de alegria.
Olhei para ela como quem olha para um extraterrestre acabado de aterrar no nosso quintal. A que planeta aquela gaja pertencia? Não tinha noção do que se passava nesse Sábado à noite? Respirei fundo e comecei, meio a medo, a improvisar:
- Tatiana, nem imaginas como estou feliz. Não tenho palavras para te agradecer tudo o que estás a fazer por mim. O que eu mais quero é passar este fim-de-semana contigo, só nós os dois, longe de tudo e de todos. Acontece que há uma pequena coisinha…
Passou-se. Ali mesmo. Valeu-me o facto de o restaurante estar meio vazio e, a custo, lá consegui com que se acalmasse e falasse baixo. Tentei fazer-lhe ver que o Benfica jogar em casa um jogo importante para o campeonato era, para mim, algo importante, tão importante que tinha tudo combinado com uns amigos há semanas. Não tinha condições para desmarcar. Passei uns dez minutos a tentar contextualizar-lhe a coisa: quem ia em primeiro, quem estava em segundo, os jogos que faltavam, tudo coisas básicas mas que para ela era como se eu estivesse a falar de engenharia aeronáutica. Compliquei a coisa, dando-lhe um ar dramático, com a descrição exaustiva de castigados, lesionados e lances polémicos decididos pelos árbitros sempre a prejudicar o glorioso. Fiz um discurso digno da entrega dos óscares e sabia-o. À medida que o ia desenrolando, senti que aquela tresloucada estava conquistada. Por fim, decidi rematar para golo:
- Princesa, fazemos assim: vamos para essa quinta na sexta-feira o mais cedo que puderes, Sábado a seguir ao almoço regressamos a Lisboa, vens ver o jogo comigo e quando acabar, sou todo teu. Diriges o barco a partir daí.
Foi como se tivesse dito as palavras mágicas. Ela disse “espera aí, deixa-me pensar um bocadinho”, abriu muito aqueles olhos de louca e a seguir fez dois ou três telefonemas. Eu ia arregalando os olhos, não conseguia acreditar naquilo, só sabia que quando pousou o telemóvel, tínhamos bilhetes para os camarotes. Foda-se, bilhetes para os camarotes, com uns quantos telefonemas. Fiquei com uma tesão de metro e meio.
Passámos o resto do jantar a embebedarmo-nos devagar. Pedi uma segunda garrafa de vinho, com a confiança de quem sabe não ir pagar a conta. Ela não precisava, mas eu também contava naquela equação. O que sei ao certo é que ela chorou três vezes antes de finalmente cairmos para o lado e dormirmos que nem uns anjinhos."
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