quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Clítoris: lambidela 21

"Vou rebobinar um pouco o filme deste relato e deixar as bajainas repousar por um instante. Há um acontecimento que o justifica por si só, mas que ao mesmo tempo acabou por ter a sua influência numa decisão importante que tomei: a vitória da nossa selecção no Euro 2016. Foi um jogo ultra sofrido e uma noite com direito a prolongamento, penalties e deus saberá mais o quê.
Senti que ia ser das duras, mal abri os olhos. Tinha a boca seca e a cabeça a latejar. Fui à cozinha, bebi um litro de água em longos goles, intervalados com uns segundos para respirar e tomar consciência do quão fodido estava. Enfiei-me debaixo do duche e deixei-me estar ali um bom bocado. Foi nesses instantes que percebi claramente.
Foda-se, tenho de ir ao mundial à Rússia.
Ainda estava de toalha enrolada à cintura, a pentear-me em frente ao espelho e já tinha tudo planeado. Vesti-me, olhei para o relógio, quase quatro da tarde. Aquilo sim, fora uma bebedeira como deve ser. Quem é que no seu perfeito juízo marca uma final de um europeu a um Domingo? Eu não ando aqui nesta vida a dormir e meti férias para o dia seguinte. Enviei umas sms e saí a correr até ao mcdonald’s mais próximo. Estava quase vazio quando lá cheguei, àquela hora não era de estranhar. Sentei-me num canto e tratei de virar para dentro um Big mac menu. Custou-me a engolir aquilo, mas lá fui conseguindo, mastigando devagar. No final já me sentia bem melhor. Fui buscar um café e nesse momento chegou o Vidrinhos.
- Ainda estás vivo, Zé Tó?
- Só mais uma noite como tantas outras aqui para este recruta.
- Quando fores à casa-de-banho mija para uma garrafa, aposto que sai whisky do bom.
- Prometido. Vai ser a tua próxima prenda.
- Lembras-te de alguma coisa de ontem à noite?
- Lembro-me que fomos campeões europeus, caralho.
- Tens razão, meu velho. Isso é que interessa. O resto são pormenores e vómito.
Contei-lhe o meu plano sobre o mundial da Rússia. Ele ouviu atento, sorrisinho trocista nos lábios e no fim disse que sim, que alinhava, sem hesitações.
- Estou a falar a sério, cona de assobio.
- Também eu, foda-se. Se há doido varrido com quem eu faria uma loucura dessas, és tu, rei da ressaca.
Fomos fantasiando a coisa, cada um acrescentando mais uma possibilidade de aventura e cricas saltitonas às divagações do outro. Já tínhamos o suficiente para um filme de Hollywood cheio de acção, quando chegaram o Diogo e o André.
- Eu vos saúdo, campeões! – Começou o André, ao chegar à nossa mesa, fazendo uma longa vénia.
- Como é, sempre em pé?
- Sempre a acelerar, é como nos filmes porno, só paro para beber água e meter gelo na pila.
Acompanhei-os num lanchinho anti ressaca e dei cabo de outro Big Mac. O dia era de exaltação, acabáramos de nos sagrar campeões europeus de futebol, não dava mais nada na tv, por todo o lado se via gajos com a camisola da selecção e a bandeira de Portugal. Deixei a conversa fluir um bocado e depois atirei-lhes com a bomba: irmos todos juntos ao Mundial de futebol, em 2018, na Rússia. O Diogo foi o único a oferecer alguma resistência.
- Podes comer gajas de leste cá, o que não falta para aí é disso, escusas de fazer tantos quilómetros.
Continuei a divagar, tal como tinha feito com o Vidrinhos, empolguei-me um bocado, não deixei falar mais ninguém, tornei-me chato e irritante e, deduzo que para me calar e mudar de assunto, o Diogo rematou a questão:
- Pronto, foda-se, vamos todos à Rússia. Mas primeiro convém que aqueles conas de unto se qualifiquem, não achas?
- Isso para os gajos é mais fácil do que para ti a meteres de pé.
Decidimos ir beber umas imperiais, para descomprimir os neurónios. Por todo o lado o ambiente era de festa. Fomos percorrendo as ruas do centro, sem pressa. Milhares de pessoas de sorriso fácil no rosto, bandeiras portuguesas desfraldadas a cada esquina que se virava, muitos cânticos, muita alegria e, ainda mais emocionante, bajainas bonitas que era um nunca mais acabar. Sentámo-nos na primeira esplanada onde conseguimos desencantar uma mesa livre. Imperiais, tremoços e amendoins. Já ninguém nos tirava dali tão cedo. No ecrã gigante revimos dezenas de vezes o golo do Éder e a traça a pousar no rosto do Cristiano. Às tantas comecei a ficar emocional.
- Malta, esta merda é uma vez na vida. Já se aperceberam que estamos a viver uma cena especial? Vamos comemorar isto como deve ser. Todos às putas!
- Esquece, Zé Tó, já meia Lisboa se deve ter lembrado disso. Não deve haver uma única puta na cidade que não tenha a rata a deitar fumo.
- No mínimo vamos falar com elas, foda-se. Chega aí o Correio da Manhã, para eu procurar uns bacalhaus nos classificados.
Centenas de anúncios de putedo. Ainda dizem que há crise. Comecei a marcar números no telemóvel e tive de dar o braço a torcer: o Vidrinhos tinha razão, ou não atendiam ou estava desligado. Putas do caralho. Não desisti e fui insistindo. Às tantas, já nem eu esperava, uma voz feminina surgiu, miraculosamente, do outro lado da linha.
- Oiiiii!
Brasileira, que maravilha. Decidi começar a improvisar.
- Muito boa tarde minha senhora, fala Jacinto Leite da rádio festival. O seu número foi escolhido à sorte para participar num passatempo e poder habilitar-se a um maravilhoso fim-de-semana a dois, numa pousada de Portugal à sua escolha.
- Oi?
- Gosta de Karaoke?
- Olha, moço…
- Para participar, nada mais simples. Só tem de cantar uma canção de embalar aqui no meu micro.
Risada geral. Ela desligou, sem um único insulto. Voltámos às imperiais, aos tremoços e aos amendoins. E também à conversa sobre ir ver o mundial de 2018 à Rússia. O argumento de eu fazer 30 anos nessa altura falou mais alto. Ou isso ou as imperiais, ficarei para sempre com essa dúvida. Saímos dali, horas depois, bêbados, jantados a tremoços e amendoins e com aquele mundial para dali a dois anos planeado ao mais ínfimo detalhe, ou seja: íamos e depois logo se via."

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